Os homens saíam para caçar, guerrear, conquistar novas terras. As incursões em busca do domínio de outras terras e povos, levaram também à retirada de parte da fauna e da flora deslocando-a para outras plagas.
As mulheres se fixaram na terra. Coletaram e guardaram as sementes, tornaram a cultivá-las e reservar parte delas para troca, partilha e futuro plantio. Selecionaram as sementes e mudas mais sadias e cuidaram para que não se perdessem: enfim, elas inventaram a agricultura. As trocas garantiram a diversidade e permanência das espécies. Assim, durante milênios, as mulheres, especialistas em sobrevivência, foram as principais guardiãs da biodiversidade.
As expedições de conquista e seus desdobramentos além de eliminar populações quase inteiras, causaram grandes danos ambientais. O processo de colonização no Brasil, destruiu parte da Mata Atlântica, avançou sobre o Cerrado, a Caatinga, a Amazônia,... Se na maior parte das Américas espanholas buscou-se ouro e pedras preciosas, no Brasil, a atividade predatória se fez inicialmente em busca do pau-brasil para exportação.
A introdução de plantas asiáticas como a cana-de-açúcar no Brasil e Cuba, e banana em Honduras, Colômbia e Nicarágua, destruiu parte da rica biodiversidade. No Brasil, a pecuária completou o quadro com a pata do gado que avançou milhares de quilômetros para além da devastação em busca do pau-brasil.
Originário de onde hoje se localiza o Irã e o Iraque, o trigo passou a ser cultivado na Europa e, depois no Canadá, Martinica, Argentina,... Da Etiópia, foi trazido ao Brasil o Café. Em direção inversa, foi levada a batata do Peru para a Europa e sul da Ásia, o tomate e o milho do México para a Europa (principalmente Itália), e este último para a África. Da América Central o cacau foi introduzido e largamente cultivado em Gana e Brasil.
Voltada à exportação, a busca do lucro pelos colonizadores levou à monocultura extensiva dessas espécies introduzidas, às custas de amplos desmatamentos destruindo muitas espécies da flora e da fauna, secando fontes de água. A extração de minérios não foi menos predatória. A chamada Revolução Verde atentou ainda mais contra a biodiversidade provocando imensas erosões, assoreando rios, envenenando a água, o solo, o ar.
O conhecimento ancestral sobre biodiversidade e sementes sempre esteve nas mãos das mulheres, lembra Vandana Shiva. O cuidado com o solo, o manejo dos materiais orgânicos resultantes do próprio cultivo da terra de modo a produzir o húmus que fertiliza a terra, foi uma atividade que as mulheres aperfeiçoaram ao longo dos milênios. Muitos desses conhecimentos são plagiados e patenteados.
Ao longo de cerca de três bilhões de anos foi se formando a rica biodiversidade da terra estimada em cerca de 10 milhões de espécies, das quais se conhece apenas um décimo. No entanto, encontra-se ameaçada por perdas irreversíveis. Hoje, a taxa de extinção é 100 vezes maior do que na era geológica anterior. As recentes mudanças climáticas são maiores do que as que aconteceram nos últimos 1.300 anos.
O Brasil possui basicamente seis biomas:
Amazônia tem área de 4.2000.000 km² no Brasil;
Mata Atlântica 1.110.000 km²;
Cerrado 1.036.000 km²;
Caatinga 844.453 km² e
Pampa 176.500 km²;
Pantanal 150.355 km².
Da Caatinga, bioma único no mundo, o mais árido e mais desconhecido do Brasil, foram identificadas 510 espécies de aves, 240 de peixes, 154 de répteis e anfíbios, 143 de mamíferos e mais de 900 espécies de plantas. Pode-se imaginar a incomensurável biodiversidade que o Brasil abriga nos demais biomas.
A Amazônia tem sido alvo de imensos desflorestamentos que têm causado sérios desequilíbrios e ocasionado perdas de espécies inclusive as pouco conhecidas. A maior bacia hidrográfica do mundo tem tido periódicas secas nos últimos anos!
A Amazônia é uma bomba que garante água para a região sudeste do Brasil. Sem ela, seria desértica como várias e amplas regiões que se encontram na mesma linha tropical, com imensos desertos como é o caso do Atacama, no Chile, afirma o cientista Antônio Nobre.
A biopirataria tem sido expediente freqüente usado pelos colonizadores de ontem e de hoje, sobretudo na Amazônia. Aproveitando-se de conhecimentos ancestrais, os novos exploradores usam sofisticados expedientes para furtar muitas espécies patenteando-as em seus países e vendendo seus subprodutos a preços proibitivos mundo a fora inclusive para o Brasil.
A introdução de espécies exóticas tem comprometido a sobrevivência de parte dessa riqueza: eucalipto e soja no Cerrado, café, gado, laranja e cana na Mata Atlântica, camarões gigantes e banana no Nordeste,...
As Reservas Legais (RLs), Áreas de Proteção Permanente (APPs), as reservas extrativistas têm sido alvo de maiores ameaças com a tentativa de mudanças no Código Florestal que favorecem a especulação fundiária, a pecuária e monocultura extensivas. A sanha desses predadores é tal que, em dez dias perpetraram 4 assassinatos.
Do segundo mais extenso bioma do Brasil, a Mata Atlântica, só resta 8% não desflorestado, mas abriga o grande rio São Francisco e o imenso Aqüífero Guarani. Ambos constantemente ameaçados, no passado pela pecuária, pela monocultura da cana, do cacau e do café, hoje, pelo eucalipto, soja e, novamente cana.
O Cerrado, inicialmente depredado pelo desflorestamento e pela mineração além da pecuária extensiva, hoje foi tomado por um mar de eucalipto e soja e é alvo de forte biopirataria.
O Pantanal, o menor dos nossos biomas, está ameaçado pela pecuária extensiva e até pela cana e soja. Pode vir a desaparecer se não forem protegidas suas principais fontes de água: os rios do Cerrado.
No Pampa, habitado por Guaranis, Minuanos e outro povos indígenas, a araucária foi tomada pela pecuária e extensas monoculturas de arroz e soja. Nele foi introduzida no Brasil a cultura de transgênicos.
25% da biodiversidade do Planeta abrigam-se no Brasil. Urge protegê-la do agro-hidronegócio, da pecuária extensiva (no Brasil há mais cabeças de gado que gente), dos megaprojetos como as hidroelétricas, a transposição do rio São Francisco, as imensas mineradoras a céu aberto, a prospecção de petróleo do pré-sal,...
É fundamental a democratização da terra e da água e o respeito às populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras de coco, extrativistas, caiçaras ...enfim a agricultura camponesa e familiar.
No Brasil, Ana Primavesi foi pioneira nos estudos sobre conservação do solo e sistemas de cultivo agroflorestais que dispensam agrotóxicos e fertilizantes químicos: a agricultura orgânica em consórcio com as florestas que preserva a biodiversidade.
São ilhas de alta produtividade que não apresentam doenças. Segundo o pesquisador Paulo Kageyama (ESALQ/USP), a restauração de Matas Ciliares com o plantio de 100 ou mais espécies nativas tem sido tão bem sucedido que as formigas invadem menos. Enquanto as plantações de tomate têm recebido 36 pulverizações em 75 dias, no Vale do Ribeira, pelo sistema agroflorestal, sua cultura dispensa qualquer agrotóxico: é orgânica, não atenta contra a biodiversidade.
O medo do incontestável sucesso dessa modalidade de cultura fez com que a Monsanto proibisse a distribuição dos 620 mil exemplares do livreto “Produtos Orgânicos, o olho do consumidor” do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Raquel Rigotto, professora da Universidade Federal do Ceará, encontrou água contaminada nos poços artesianos, lençol freático e também nas torneiras domésticas devido aos agrotóxicos do bananal da Del Monte Fresh Fruits (com sede na Flórida) na Chapada do Apodi, Ceará. José Maria Filho, líder comunitário, conseguiu convencer um dos vereadores a propor uma lei – aprovada - proibindo as pulverizações aéreas. No dia 21 de abril de 2010, foi assassinato com 18 tiros quando retornava para casa. A lei foi revogada, mas recentemente as pulverizações foram finalmente proibidas.
Embora a contaminação da água tivesse sido já denunciada reiteradamente, as pulverizações prosseguiram em Lucas do Rio Verde (MT). Em recente pesquisa, a equipe da professora Danielly Palma da Universidade Federal do Mato Grosso, encontrou, agrotóxico presente no leite de 62 mães. A morte ronda não só a elas, mas a bebês, à população em geral e à biodiversidade.
A conversão da terra em mercadoria vai de mãos dadas com o uso e abuso da química na agricultura, diz a física e escritora indiana Vandana Shiva. A ONU estima a intoxicação de 25 milhões de trabalhadoras/es com 400 mil mortos num único ano. As mudanças climáticas têm causado desastres ambientais que deslocam grandes populações. Havia 50 milhões de migrantes ambientais em 2010, em 2050 poderão ser 700 milhões.
Ainda não se calculou - se é que é possível fazê-lo – quantas espécies estão sendo destruídas por essas monoculturas, pela pecuária, pela construção de imensas hidroelétricas, pelas mineradoras, pelas carvoarias, os megaprojetos de irrigação, pela erosão, pelos fertilizantes, pelos agrotóxico, pela transgenia.
Muitas iniciativas bem sucedidas estão em curso: A Articulação do Semi Árido e a construção de cisternas na Caatinga, as cooperativas de lavradores/as, as organizações indígenas e quilombolas, os movimentos pela democratização da terra e da água, as organizações de atingidos/as e ameaçados/as por barragem, coleta e cultivo de sementes nativas, os reflorestamentos, a agroecologia, a troca solidária, os bancos de sementes crioulas, o cooperativismo popular,...
Todas essas criativas vivências fazem frente à tirania do Banco Mundial, às corporações financeiras e agroindustriais. Em todas, mulheres são as principais militantes. Na Bolívia, as mulheres indígenas ocuparam a capital e fizeram reverter a privatização da água. Especialistas em sobrevivência, as mulheres são as principais guardiãs da biodiversidade.