Covid-19
Caso Covaxin: o que se sabe até agora?
Segundo irmãos Miranda, Bolsonaro, seu filho Eduardo e o então ministro Pazuello foram avisados do caso, e nada fizeram
O deputado federal Luis Claudio Fernandes Miranda (DEM-DF) e o irmão Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do ministério da Saúde, trouxeram um ingrediente explosivo para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que investiga os responsáveis pelos números exorbitantes de casos e óbitos durante a pandemia no país.
Em depoimento aos senadores, os irmãos apontam para um suposto esquema de fraude na negociação para a compra de 20 milhões de doses do imunizante Covaxin, envolvendo o Ministério da Saúde e a empresa brasileira Precisa Medicamentos, que seria a responsável pela venda da vacina no Brasil, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech.
Empresa sediada em paraíso fiscal
Luis Ricardo verificou indícios de fraude na primeira das três notas fiscais relativas à compra das doses. Segundo o servidor, o documento previa um pagamento adiantado de US$ 45 milhões (cerca de R$ 221,67 milhões) para a empresa Madison Biotech, que pertence ao grupo do laboratório Bharat Biotech, mas que não integrava o contrato. A empresa está sediada em Singapura, um paraíso fiscal.
“Bolsonaro sabia da fraude”
O deputado afirmou que o Bolsonaro teria sido alertado sobre o esquema de fraude no dia 20 de março deste ano, quando os irmãos foram pessoalmente até o presidente levar a documentação que provaria o esquema. O encontro não constou na agenda oficial do presidente, mas Luis Miranda, em seu perfil no Twitter, publicou naquela data uma foto ao lado de Bolsonaro e afirmou que ambos tratavam de “assuntos que são importantes para o Brasil”.
Antes de se encontrar com Bolsonaro, o deputado enviou mensagens a um assessor do presidente avisando sobre um “esquema de corrupção pesado” dentro da pasta da Saúde para a aquisição das vacinas. “Tenho provas e testemunhas. (...) Não esquece de avisar o PR [presidente]. Depois não quero ninguém dizendo que implodi a República. Já tem PF e o c****** no caso. Ele precisa se antecipar”, afirmou o parlamentar nas mensagens. Logo depois, disse que “estava a caminho” (do encontro com Bolsonaro).
No encontro, Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. Tanto o capitão reformado quanto a PF, no entanto, não deram um retorno ao parlamentar, como alegou o próprio. Aos senadores, o deputado disse que após a denúncia feita ao presidente, nunca mais conseguiu falar com o mesmo.
Ricardo Barros
Ainda durante o encontro entre Bolsonaro e os irmãos Miranda, o ex-capitão teria atribuído o esquema ao líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). "Se eu mexo nisso aí, você sabe a merda que vai dar. Isso deve ser coisa de 'fulano'”, referindo-se ao líder, teria declarado Bolsonaro, segundo o deputado Luís Miranda.
Barros é autor de uma emenda feita à Medida Provisória 1.026, de janeiro deste ano, que prevê condições excepcionais para a aquisição de vacinas. A MP permite à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceder autorização extraordinária e temporária para a importação e distribuição para quaisquer imunizantes que tenham sido autorizados por um rol de autoridades sanitárias estrangeiras. A emenda de Barros incluiu nesse rol a agência reguladora indiana, Central Drugs Standard Control Organisation (CDSCO).
Um mês depois, Barros criticou a Anvisa em uma entrevista ao jornal O Globo. “Eu pus uma emenda no dia 3, antes desse episódio, para incluir a agência da Índia na relação das agências, porque é necessário. Tem uma vacina da Índia que nós queremos comprar. E a Anvisa, não. Ela se acha uma agência de elite e só quer dialogar com aquelas que ela acha de elite”, disse, na ocasião.
Em um documento juntado ao relatório em produção da CPI, ao qual a Folha de S. Paulo teve acesso, o dono da Precisa Medicamentos, Francisco Emerson Maximiano, afirmou ao embaixador do Brasil em Nova Déli, na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, que uma emenda parlamentar facilitaria o processo de importação.
Francisco Emerson Maximiano
Barros e Maximiano já se conheciam antes das tratativas em torno da Covaxin. O deputado é réu em uma ação de improbidade administrativa acerca de um contrato fechado com a empresa Global Gestão de Saúde, da qual Maximiano é sócio. A ação apura um pagamento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos que nunca chegaram ao ministério da Saúde.
Maximiano também já conhecia o Zero Um, como é conhecido o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ). Em 13 de outubro de 2020, o filho mais velho do presidente facilitou um encontro entre o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, e Francisco Maximiano. Na reunião, que consta na agenda de Montezano, Maximiano representava uma terceira empresa da qual tem participação, a Xis Internet Fibra.
O dono da Precisa Medicamentos também é responsável pela negociação para a compra de vacina da farmacêutica estadunidense Moderna, de acordo com reportagem exclusiva do Brasil de Fato. A negociação começou mesmo após Bolsonaro ter sido alertado pelos irmãos Miranda sobre o suposto esquema de fraude na compra da vacina Covaxin.
Pressão sobre a Anvisa
No dia 31 de março, Luis Ricardo afirmou em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) – na esfera de um inquérito que já investigava se houve favorecimento na negociação, antes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) – que sofreu uma “pressão atípica” para assinar o contrato de importação do imunizante, dentro do Ministério da Saúde.
"A Covaxin tem recebido muita mensagem de vários setores do ministério, da secretaria executiva, da própria coordenação do trabalho e de outros setores, perguntando o que falta para fazer essa importação, inclusive sábado e domingo, e sexta, às onze horas da noite”, afirmou Ricardo em depoimento ao MPF.
Segundo Ricardo, a pressão tinha como objetivo fazer a Anvisa abrir uma exceção para acelerar a tramitação da aprovação da vacina. “O que tem de gente pressionando… Aí a gente já fica com o pé atrás”, afirmou Ricardo, em um áudio enviado ao seu irmão por WhatsApp. O servidor afirmou que não observou nenhuma outra incoerência em contratos de outras vacinas, apenas em relação à Covaxin.
No dia 16 de junho, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira enviou partes do processo para a esfera criminal do MPF. "A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto, cível e criminal", escreveu Oliveira.
Alex Lial Marinho
O servidor da pasta citou o tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos do ministério da Saúde, como o suposto responsável por pressionar a Anvisa a aprovar a importação. Marinho, que era subordinado a Élcio Franco, ex-braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello, foi exonerado no último dia 8, pelo atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga. Os senadores da CPI pretendem ouvir Alex Lial Marinho na próxima terça-feira (6).
Vacinas perto do prazo de vencimento
No mesmo dia do depoimento ao MPF, 31 de março, a Anvisa negou os pedidos de uso emergencial e importação para a vacina, por falta de documentação que atestasse a segurança e a eficácia do imunizante.
Pouco antes, a agência havia enviado um ofício ao ministério da Saúde solicitando esclarecimentos sobre o prazo de validade das doses adquiridas da vacina. “O prazo de validade aprovado pela autoridade indiana para a vacina Covaxin é de 6 meses, se conservada em 2-8 °C. De acordo com as datas de fabricação dos lotes a serem importados, observa-se que o prazo de validade irá expirar nos meses de abril e maio/2021. Solicita-se esclarecer se é possível a utilização de todo o quantitativo previamente à data de expiração dos lotes”, diz o ofício.
Cronologia da compra
Em agosto de 2020, o ministério das Relações Exteriores recebeu um telegrama da embaixada brasileira em Nova Délhi apresentando o preço de US$ 1,34 por dose (cerca de R$ 6,60). Quatro meses depois, é feita a primeira reunião técnica no ministério da Saúde sobre a aquisição da vacina Covaxin.
Em janeiro deste ano, o embaixador brasileiro recebeu uma comitiva da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. O representante era Francisco Maximiano, que também se apresentou ao Brasil como representante de clínicas privadas de vacinação.
No mesmo mês, a Saúde enviou um ofício a Maximiano informando o interesse em iniciar as tratativas comerciais para a compra das doses.
No mês seguinte, no dia 25 de fevereiro, é anunciada a compra de 20 milhões de doses, em um contrato assinado entre o ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos. Quem assina o contrato da compra é o advogado Túlio Belchior Mano da Silveira, defensor do tratamento precoce, cujos sigilos telefônico e telemático foram quebrados pela CPI.
No total, foram empenhados (reservados para pagamento) R$ 1,61 bilhão na compra de 20 milhões de doses, sendo cada uma US$ 15 (R$ 73,89). Um valor expressivamente maior do que o apresentado em agosto de 2020. A título de comparação, o imunizante produzido pela farmacêutica estadunidense Pfizer foi comprado de US$ 10 a US$ 12 por dose; a dose da vacina da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), produzida em parceria com o laboratório AstraZeneca e a Universidade de Oxford, entre US$ 3 US$ 5; da Janssen, a US$ 10; e da CoronaVac, a aproximadamente US$ 12.
Compra feita sem aval da Anvisa
O contrato com a empresa foi negociado antes de a Anvisa dar o aval para a importação da vacina e de o resultado do ensaio clínico de fase 3, de testes em humanos, ser divulgado. Até hoje, o laboratório Bharat Biotech não publicou os detalhes da fase final dos testes clínicos.
A aprovação da Anvisa veio apenas no dia 4 de junho, e com restrições: somente o uso dos quantitativos, 4 milhões de doses, e sob condições controladas, de acordo com as determinações da própria agência.
Na data do anúncio da compra, no dia 25 de fevereiro, o ministério da Saúde informou que as primeiras 8 milhões de doses chegariam em março, 8 milhões em abril e as últimas 4 milhões em maio. Até o momento, nenhuma dose da Covaxin chegou ao Brasil. Segundo o governo, o contrato para a compra de 20 milhões de doses ainda não foi pago.
Eduardo Bolsonaro e Eduardo Pazuello também teriam sido alertados
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o "Zero Dois" do presidente, também foi avisado a respeito do possível esquema de corrupção, segundo o deputado Luis Miranda. No plenário da Câmara dos Deputados, Miranda falou sobre o assunto e enviou o número de telefone de seu irmão para Eduardo, que, por sua vez, ignorou o tema.
Além do presidente e do filho Eduardo Bolsonaro, o deputado Luis Miranda falou com o então ministro da Saúde, o general Pazuello, resumidamente sobre a denúncia.
Segundo Miranda, a revelação foi feita durante viagem oficial para a busca de imunizantes contra a covid-19, dentro de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), o que dificultou a conversa. "Dentro da aeronave eu comento com o Pazuello que a situação era uma situação grave que eu tinha encaminhado para o presidente da República." Minutos depois, no entanto, Miranda afirmou que não tratou “do problema específico. Falei que tinha levado uma denúncia".
Escrito por: Caroline Oliveira
Fonte Brasil de Fato
Postado por Comunicação SEEB Santos e Região em Notícias