Contra a redução da maioridade penal, em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente!
O assunto colocado em pauta na sociedade brasileira hoje é a redução da maioridade penal e a desqualificação do ECA; a mídia burguesa e classista, fazendo coro ao governo tucano não tem pudor em superdimensionar casos de violência envolvendo, adolescentes, todos pobres, quase todos negros, colocando – os como bode expiatório da violência intrínseca as sociedades capitalistas e brutalmente desiguais como a nossa. A mesma mídia que aponta falhas no ECA omite o fato de que esses adolescentes são vítimas de um Estado omisso que não cumpre a Lei em sua forma plena.
No Brasil a infância e juventude pobre e negra, historicamente, sempre foram tratadas como caso de caridade ou caso de policia. Na nossa ordenação jurídica os filhos da classe trabalhadora sempre estiveram em “situação irregular”, divididos em “coitadinhos” ou “perigosos” (Código de menores de 1927) passando a marginal ou marginalizado (Código de Menores de 1979), mas sempre em situação irregular, desprovidos de direitos e passiveis de repressão ou tutela do Estado. As mazelas dos filhos e filhas dos povos indígenas, dos povos sequestrados de África, dos brancos pobres, os chamados “de menor ”, nunca chegou a tirar o sonoda elite brasileira.
Com a abertura política dos anos 80, setores da sociedade que já vinham discutindo a situação da infância e juventude brasileira e a falácia das políticas governamentais relacionadas a ela, se mobilizaram e conseguiram por em pauta o direito a cidadania desta parcela da população através de emenda popular denominada “Criança, prioridade nacional” que resultou no artigo 227 da CF.: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Esse artigo teve o peso de um milhão e meio de assinaturas e dele resultou a aprovação, em 13 de julho 1990, da Lei Federal 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA rompe com a doutrina da situação irregular para a garantia de DIREITOS. Criança e Adolescente não são mais vistos como incapazes, menores, objetos de guarda – mas como SUJEITOS, protagonistas, com direitos assegurados e com responsabilidades dentro da comunidade. O termo “menor”, carregado de preconceitos que ligam os filhos e filhas da classe trabalhadora à carentes, excluídos, marginais, deixa de existir e todas as pessoas de 0 a 18 anos passam a ser crianças e adolescentes, deixando o termo Menor para ser usado na concepção de menoridade ou maioridade.
Mais de duas décadas de existência do ECA e muito pouco se implantou da Lei. O Estado prioriza o pagamento da divida, prioriza o jogo do mercado e sucateia serviços públicos básicos como a educação, saúde e segurança atendendo precariamente a classe trabalhadora com políticas compensatórias. A maioria da população permanece sem acesso a informação verdadeira, sem acesso a justiça, sem acesso a moradia, às políticas sociais básicas, sem o acesso de qualidade à saúde publica e educação. O crime organizado constitui-se em poder paralelo ao do Estado e recruta crianças e adolescentes.
A cada dia, 129 casos de violência psicológica e física, incluindo a sexual, e negligência contra crianças e adolescentes são reportados, em média, ao Disque Denúncia 100. Isso quer dizer que, a cada hora, cinco casos de violência contra meninas e meninos são registrados no País. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados.
Há 24 mil meninos e meninas em situação de rua no Brasil, segundo dados de um estudo do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos. Segundo a pesquisa do Conanda, quase metade deles (45,1%) tem entre 12 e 15 anos, 49,2% se declararam de cor parda e 23,6%, negros. Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, em média, 19 adolescentes entre 15 a 19 anos são vitimas de homicídio por dia. São 3.8 milhões de adolescentes fora da escola, segundo o Censo Escolar de 2010.
Por outro lado, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os 30 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas correspondem a 0,5% da população adolescente do país, estimada em 21 milhões de pessoas. Além disso, a maioria dos infratores cometeram os chamados “delitos de rua”, contra o patrimônio, como roubos, furtos e porte de armas. Na cidade de São Paulo, de acordo com informações do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud/Brasil), esse tipo de delito representou 58% dos casos. Os registros relacionados aos homicídios foram apenas 1,4% dos casos.
Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos o número de crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu – e não aumentou como alguns querem fazer parecer, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%.
No estado de São Paulo, há mais de 20 anos governado pelo PSDB, mais de 2 mil adolescentes foram apreendidos em três anos, fazendo chegar a 9.016 o número de internos em abril de 2013. Esse índice representa quase a metade do índice nacional, com mais de 19 mil jovens privados de liberdade, o que não deixa dúvidas de que este governo não investe na garantia dos direitos constitucionais das crianças e adolescentes.
Diante da situação de vulnerabilidade que se encontram as crianças e adolescentes do país; diante da omissão e negação dos direito a elas devido pelo Estado, O PSOL vem afirmar posição contraria a redução da maioridade penal, pois além de não resolver o problema da violência, tal medida visa encarcerar os filhos e filhas da classe trabalhadora. Ademais o ECA já prevê a privação da liberdade para adolescente que cometem ato infracional grave.
Reafirmamos o compromisso do partido com a defesa dos direitos humanos e, portanto a defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; exigimos que o Estado cumpra integralmente os direitos desta parcela da população, conquistados, ainda que formalmente, com muita luta pela classe trabalhadora. O debate a ser feito é o da garantia efetiva de direitos; trata – se de discutir as causas e não de irresponsavelmente punir as consequências.
Deusdedith Pereira é Assistente Social, Conselheira Tutelar em Embu das Artes e Membro da Direção Nacional do PSOL São Paulo
Fonte Intersindical
Postado por Fernando Diegues em Artigos