O livro que poderá revelar novas e bombásticas informações sobre o período violento da ditadura
Livro de ex-delegado revela que alguns militantes de esquerda foram queimados em uma usina de açúcar, entre os quais Ana Kucinsk e Davi Capistrano, que teria tido uma das mãos arrancada durante a tortura
O ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) Antonio Cláudio Guerra (71) acaba de tornar-se o personagem central de um livro em que confessa vários crimes praticados durante a ditadura brasileira (1964-1985) e revela pela primeira vez como alguns desaparecidos políticos foram mortos e porque seus corpos jamais foram encontrados, em descrições que chegam ao horror total.
Segundo ele, no livro a ser lançado pela editora Topbooks, sob o título “Memórias de uma Guerra Suja”, vários militantes de esquerda foram mortos e incinerados em uma usina de açúcar e álcool, de propriedade do então vice-governador do Rio de Janeiro, Heli Ribeiro. Segundo o jornalista Tales Faria, do iG Brasília, que publicou informações do livro com exclusividade, pelo menos dez presos políticos tiveram seu fim nos fornos da usina:
- João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
- Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, (“a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”);
- David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”), João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
- Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML)”.
Heli Ribeiro Gomes foi vice-governador do Rio de Janeiro (1966-1969) e era dono da Usina de Açúcar e Álcool Cambahyba, localizada no município de Campos (RJ), onde os corpos teriam sido cremados. Já falecido, o político foi homenageado em 2011 por uma escola de samba de Campos (RJ), a ‘Ás de Ouro’, com o samba-enredo “A História de Vida de Heli Ribeiro Gomes – Um Grande Amigo”, na qual, obviamente, foi omitida a participação de Gomes nos crimes praticados na ditadura. O enredo tratou de coisas mais amenas, como o fato dele ser usineiro e de ter fundado o Cambaíba Futebol Clube e a Escola de Samba Unidos de Cambaíba.
“Fleury Capixaba”
O delegado Cláudio Guerra, que se converteu ao cristianismo e tornou-se pastor evangélico da Assembleia de Deus (veja vídeo no final desta matéria) decidiu abrir o jogo e contar tudo o que viu e fez durante a ditadura. Ele era considerado o ‘Fleury Capixaba’, referências ao Espírito Santo, seu Estado natal, e ao temido delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais cruéis torturadores e assassinos da ditadura.
O delegado-pastor relata dezenas de episódios ocorridos durante a ditadura, incluindo o desaparecimento dos corpos de opositores do regime, o atentado a bomba ao Riocentro, no Show do 1º de Maio de 1980, do qual participou o cantor Chico Buarque e outras estrelas da MPB que por pouco não foram atingidas, entre outros episódios macabros do regime ditatorial brasileiro. Cláudio Guerra teria participado de cerca de uma centenas de assassinatos durante a ditadura, revela o livro, que promete mudar a configuração das investigações sobre o período militar.
Militares envolvidos
O livro surgiu após depoimentos do ex-delegado, gravados pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, colhidos ao longo de dois anos de entrevistas. Cláudio Guerra garante que muitos corpos de desaparecidos políticos brasileiros “nunca mais serão encontrados”. Segundo ele, a incineração de opositores do regime foi pessoalmente autorizada pelo então chefe da Marinha no Rio de Janeiro, Antonio Vieira, que atuava no CENIMAR (Centro de Informações da Marinha), e pelo coronel da cavalaria do Exército, Freddie Perdigão Pereira, que acumulava funções no SNI (Serviço Nacional de Informações).