Greve Geral
Guilherme Boulos: Retrocessos da reforma trabalhista
O substitutivo da reforma trabalhista foi apresentado pelo deputado Rogério Marinho, do PSDB. O que era ruim, na versão inicial, ficou ainda pior. O projeto executa o desmonte de direitos conquistados ao longo de quase cem anos pelos trabalhadores brasileiros.
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Tamanha é a desfaçatez, que o deputado tucano apresentou seu relatório no dia seguinte à divulgação das delações da Odebrecht, onde aparece como beneficiário de repasses ilegais. Isso revela a arriscada estratégia de “fuga para a frente” adotada pela Câmara, declarada sem pudores pelo próprio Rodrigo Maia. A ordem é apressar as pautas antipopulares para mostrar à elite econômica que, mesmo desmoralizado, o Congresso lhes é funcional e, portanto, deve ser preservado.
Assim, pretendem aprovar o projeto da mesma forma sorrateira como fizeram com a terceirização. E não se trata de “mais um ataque”, num momento em que os retrocessos se tornaram quase cotidianos. A reforma trabalhista é muito pior do que você imagina. Ela mexe em mais de cem pontos da CLT. Vejamos dez deles, especialmente graves.
1. Negociado sobre o legislado. Por trás desse nome técnico está a criação de um balcão de negócios dos direitos trabalhistas. A ideia é permitir que os acordos entre patrões e empregados fiquem acima da lei. Entre os temas passíveis de negociação estão o parcelamento das férias, a redução salarial e o aumento da jornada acima do limite legal, podendo chegar a 12 horas diária (regime 12×36) e 48 horas semanais. Mas isso depende do acordo com os trabalhadores, diriam de modo hipócrita os liberais. Sim, o chamado acordo com a faca no pescoço: ou os trabalhadores concordam ou há uma fila de milhões de desempregados dispostos a aceitar.
2. Individualização da negociação trabalhista. No mesmo sentido, o projeto cria mecanismos para individualizar cada vez mais a relação de trabalho, reduzindo assim a força de pressão dos trabalhadores. Prevê a sobreposição dos acordos coletivos em relação às convenções. No tête-à-tête com o patrão, o trabalhador sempre é mais vulnerável.
3. Regulamentação do trabalho intermitente. É a liberação do contrato por horas de trabalho, sem garantias. No período de inatividade, o trabalhador não será remunerado, ficando à mercê do chamado do patrão. Vai precarizar a contratação para eventos, bares e outros espaços sem funcionamento contínuo.
4. Dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho. A proposta é liquidar com a Justiça do Trabalho, chamada recentemente por Gilmar Mendes de “laboratório do PT”. O projeto atua em duas frentes. Primeiro, dificultar os ritos processuais: limitam o acesso à justiça gratuita, passam a exigir que o trabalhador pague os honorários de peritos mesmo se demonstrar não ter recursos e facilitam as condições de prescrição do processo. Depois, limita os poderes do juiz do Trabalho em arbitrar, por exemplo, indenizações por danos morais.
5. Padrão de vestimenta. O projeto autoriza a empresa a definir o padrão de vestimenta dos trabalhadores. Sim, exatamente. Não é preciso muito para visualizar como essa regra será utilizada como assédio moral, de forma machista, contra as mulheres.
6. Fim da ultratividade do acordo ou convenção coletiva. Atualmente, quando se encerra o prazo de um acordo coletivo, ele permanece válido até a assinatura de um novo. É o princípio da ultratividade. A proposta é encerrar os efeitos ao fim do prazo, independentemente da assinatura do novo. O vácuo entre os acordos poderá significar perdas para os trabalhadores e um instrumento de pressão dos patrões para a assinatura de acordos piores.
7. Enfraquecimento da organização sindical. O projeto enfraquece os sindicatos de várias maneiras. Ataca a representação sindical nos locais de trabalho, retira a obrigatoriedade de homologação sindical das rescisões e, mais grave, autoriza demissões em massa sem a necessidade de negociação coletiva, hoje exigida por jurisprudência.
8. Fim da responsabilidade dos tomadores de serviços. A empresa que contratar a prestação de serviço de outra não terá qualquer responsabilidade em relação à garantia de direitos trabalhistas da contratada. É “lavar as mãos”, que favorece a contratação indireta por grandes empresas de trabalhadores superexplorados ou mesmo em condições de escravidão.
9. Explicitação da terceirização, com salvaguardas irrisórias. A reforma legitima a desastrosa Lei da Terceirização aprovada no mês passado e sancionada por Temer, trazendo uma redação ainda mais inequívoca quanto à liberação para todas as atividades. As prometidas “salvaguardas” aos trabalhadores, que corrigiriam os “excessos” da lei aprovada, são limitadas a exigir condições de transporte e alimentação iguais aos terceirizados e a impor uma quarentena de 18 meses para recontratação de um trabalhador direto como terceirizado.
10. Liberação de trabalho de grávidas em ambientes insalubres. A que ponto o espírito da casa-grande contamina a mentalidade da elite. A proposta é liberar gestantes e lactantes a trabalhar em ambientes insalubres, hoje expressamente proibido. A única condição é um atestado médico, que pode ser dado pelo próprio médico da empresa.
Friedrich Engels escreveu em 18 um livro chamado “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”. Descrevia ali as condições degradantes de trabalho na indústria do século XIX. Dois séculos viraram, mas a voracidade do capital parece não ter mudado. O que está em jogo é restabelecer no Brasil do século XXI as condições denunciadas por Engels no XIX.
E tudo isso levado a cabo pelo Congresso mais desmoralizado da história nacional, a pedido de um governo sem legitimidade, aprovado por menos de 10% da população. E ainda em meio a um escândalo de corrupção generalizada, que colocou sob suspeita o presidente, oito ministros, os chefes do Legislativo e ainda o relator do projeto da reforma.
É de incrível atrevimento a estratégia que adotaram de virar as costas à sociedade e pisar no acelerador. Em xadrez, corresponderia a responder a um xeque com uma tresloucada ofensiva com a dama. Pode dar certo, se o adversário estiver desorganizado. Mas, se tivermos a força necessária, a resposta poderá ser um xeque mate.
Guilherme Boulos é professor universitário e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
É hora de reagir!
Escrito por: Guilherme Boulos
Fonte Intersindical
Postado por Fabiano Couto em Artigos