Cerca de 3,4 milhões de jovens brasileiros com idade entre 18 e 24 anos não estudam nem trabalham. Desse total, 1,2 milhão concluíram o ensino médio, mas não ingressaram no ensino superior e no mercado de trabalho. Neste grupo, quase 75% são mulheres. A pesquisa é do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que aponta a maternidade e o casamento como as principais razões para que elas não estudem nem trabalhem.
Mas este não é o caso de Eline Santos Duarte, Jaqueline da Silva Rolim e Amanda Sateles de Souza, jovens que trabalham numa empresa especializada na produção e manutenção de elevadores, em São Paulo, e driblam o cansaço e as dificuldades para seguir nos estudos. Eline, 23 anos, é casada e tem um filho de quatro anos. Jaqueline, 21 anos, é solteira, tem um filho de um ano e é a principal fonte da renda familiar. Amanda, 21 anos, é solteira, mora com a mãe e o irmão de 12 anos e também ajuda com as despesas da casa.
Embora com histórias de vida e cotidianos distintos, as três têm um objetivo em comum: crescer profissionalmente, com independência financeira. Por isso, entendem que o investimento em educação vale o sacrifício que têm vivido.
“Não quero depender de ninguém”
De segunda a sexta-feira, Eline acorda às 5h30 e 50 minutos depois sai de casa, em Itapevi (cidade da Grande São Paulo), para tomar o trem que a deixa perto do trabalho, na Barra Funda. Ela é auxiliar de cobrança e sai da empresa às 17h50, em direção à faculdade, localizada no mesmo bairro, onde começou a cursar Marketing este ano. Chega de volta em casa às 23h30 e vai dormir uma hora depois, isso quando não tem nenhum trabalho urgente da faculdade.
O filho João Vitor, durante a semana, ela só vê dormindo. A criança passa o período da manhã na escola e à tarde fica com a avó materna. “No começo, foi muito difícil para mim, o sentimento de culpa era grande por não passar mais tempo com meu filho. Eu chorava toda vez que falava com ele por telefone. Mas agora, estou me acostumando”, lembra. O marido Diego, de 28 anos, também trabalha e está no quarto ano do curso de Engenharia.
Aos finais de semana, Eline divide o tempo entre os cuidados com o filho e a casa e com as demandas da faculdade. E diz que acaba assumindo a maior responsabilidade da vida doméstica: “Meu marido não faz quase nada em casa, sobra tudo para mim, porque não temos nem faxineira. Ele faz uma compra ou outra, se eu pedir”.
É uma rotina cansativa, mas a jovem avalia que tomou a decisão correta ao retomar os estudos. “Acho que a mulher não pode depender do marido. Por isso, a minha opção por fazer a faculdade é para crescer profissionalmente e ter um salário melhor. Penso principalmente no meu filho. Quero poder dar o melhor para João Vitor, sem depender de ninguém”, afirma Eline.
“Quero ser um exemplo para meu filho”
Jaqueline sempre sonhou em estudar. Mesmo trabalhando desde os 10 anos de idade para ajudar a mãe e os irmãos, ela concluiu na idade correta o ensino médio e entrou na faculdade de Administração. Nessa época, conseguiu estágio na empresa em que trabalha e, algum tempo depois, foi efetivada. É auxiliar administrativa no setor de almoxarifado.
Como não se identificou com o curso, desistiu e partiu para outro, o de tecnóloga em Logística. Nessa época, engravidou do ex-namorado. No final da gravidez, ela sentia-se muito cansada ao conciliar trabalho e estudo e acabou deixando a faculdade.
Há 13 meses, nasceu Fernando, mas a vontade de crescer profissionalmente a fez procurar alternativas para conciliar a vida de trabalhadora, mãe e estudante. Assim, no início deste ano, Jaqueline optou pelo ensino à distância e matriculou-se no curso de Ciências Contábeis. “Foi a melhor escolha, porque não tenho tempo para ir à faculdade todas as noites”, diz.
Ela mora no bairro do Limão e gasta cerca de uma hora no percurso casa-trabalho. Durante a semana, o filho passa o dia com uma tia e, aos finais de semana, com o pai. “Aos sábados e domingos, eu ‘ralo’ estudando, mas acho que estou conseguindo dar conta de todas as responsabilidades”, avalia a jovem.
Jaqueline é o pilar financeiro da casa, arcando com 75% das despesas. A mãe trabalha como diarista e um dos irmãos está servindo o exército (o outro tem sete anos de idade). “Na minha família, ninguém fez faculdade. Eu sempre tive esse sonho e, agora, quero ser um exemplo para meu filho. Vou fazer a minha parte, dando condições para que ele possa estudar em boas escolas e tenha futuro”, afirma.
Depois de formada, daqui a quatro anos, ela sonha em seguir com um curso de MBA (Master of Business Administration) e, se possível, passar um tempo no exterior, para estudar inglês, curso que fez até o nível intermediário. “Por um tempo não será possível pensar em estudar fora, porque meu filho ainda é muito pequeno. Mas quem sabe daqui a algum tempo eu consigo?”, diz esperançosa.
Casamento e filhos ficam para o futuro
O cansaço está batendo, mas Amanda diz que tem de aproveitar enquanto é jovem para investir na vida profissional. Auxiliar administrativa do setor de suprimentos, ela sai de casa, em Diadema (na região do ABC paulista), às 5h para entrar às 7h no trabalho. Deixa a empresa às 17h, para chegar às 19h na faculdade, em São Bernardo do Campo, onde faz o curso de tecnóloga em gestão financeira. “Durmo de três a quatro horas por noite, mas o sacrifício vale”, avalia.
Amanda é solteira e começou a trabalhar como funcionária terceirizada na empresa. Quando entrou na faculdade, conseguiu um estágio no mesmo local e há dois meses foi efetivada. Com isso, tem conseguido contribuir com a metade das despesas da casa. A mãe está afastada do trabalho por doença profissional e às vezes recebe o auxílio da Previdência com atraso.
A jovem trabalhadora termina o curso neste semestre, mas não pensa em parar. Em agosto, vai começar a cursar Logística e retomar a escola de inglês. “Antes de começar a trabalhar e estudar, eu até pensava em casar e ter filhos. Agora não penso mais. Isso vai ficar para depois”, garante Amanda, destacando que quer crescer profissionalmente e que estudar é fundamental para isso. “É melhor correr agora, quando ainda sou nova e solteira. Fica bem mais fácil”, finaliza Amanda.