Corrupção com vacinas
O que sabemos sobre vacinas e propinas
A base governista diz não ter nada a temer, mas o governo aposta em produzir mais fumaça do que fogo
Quem são as pessoas que pretendiam ganhar 2 dólares por cada brasileiro em uma pandemia que custou a vida de meio milhão de pessoas? Nesta edição, elencamos os nomes e responsabilidades dos principais envolvidos e nos perguntamos se o impeachment está próximo. Vamos lá.
As propinas
Em poucos dias a tese fantasiosa de um governo livre de corrupção caiu por terra. A negociata na compra da vacina indiana Covaxin pode ser apenas um dos muitos esquemas de desvio de verbas na área da saúde. O próprio histórico da relação entre o governo Bolsonaro e a Precisa Medicamentos é suspeito. Desde 2019 esta empresa já participou ou intermediou acordos que somam R$ 1,67 bilhões. A base governista diz não ter nada a temer, mas o governo aposta em produzir mais fumaça do que fogo, alerta Alon Feuerwerker. Como parece ter sido o depoimento do policial militar Luiz Paulo Dominguetti, nesta quinta (1º). O enredo apresentado por ele é o de que um representante do Ministério da Saúde teria cobrado propina de 1 dólar por dose como condição para fechar contrato de compra de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca. Na prática, mudou o foco para o segundo escalão do Ministério, gerou confusão e não chegou nem perto de Bolsonaro. Dominguetti, aparentemente um vendedor autônomo da Davati Medical Supply, empresa sem estoque e nem autorização para venda das vacinas, ainda apresentou um áudio que supostamente incriminaria o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e por pouco não foi preso por falso testemunho. A Agência Pública mostra ainda que Dominguetti atuava junto com uma organização evangélica que articulou a aquisição de vacinas com o Ministério da Saúde e as ofereceu para prefeituras e governos estaduais. Ou seja, não está claro ainda o alcance e o modo de operação desses esquemas - o de Dominguetti, que tentava vender uma vacina que não possuía, e o de Roberto Dias, que teria pedido a propina. E não se sabe aonde a investigação disso tudo vai dar.
Ricardo Barros
Ainda no caso Covaxin, não faltam sinais do envolvimento do líder do governo Ricardo Barros (PP-PR). A fiscal do contrato Regina Célia Silva Oliveira foi nomeada por Barros para o Ministério da Saúde em 2017 e Roberto Ferreira Dias, que teria pressionado o servidor Luís Ricardo Miranda, foi cargo de confiança na gestão de Cida Borghetti, mulher de Barros, no governo do Paraná. Dias é apadrinhado também por outra velha raposa da política paranaense, o ex-deputado Abelardo Lupion (DEM). Outro servidor envolvido na tramitação da vacina indiana, Thiago Fernandes da Costa, é réu em ação de improbidade administrativa no fornecimento de medicamentos para doenças raras ao lado de Barros e da Global, empresa sócia da Precisa Medicamentos. A onipresença de Ricardo Barros se repete no caso da vacina chinesa CanSino: o advogado do deputado, Flavio Pansieri, tem representado a empresa chinesa junto à Anvisa. No Brasil, a vacina seria produzida pela empresa Belcher, de Maringá (PR), propriedade de dois empresários, entre eles, o filho de um secretário da gestão de Barros na prefeitura paranaense. E tem mais, membros da CPI cogitaram também abrir a caixa de Pandora do tal orçamento secreto do governo, que distribuiu emendas parlamentares à base governista, porque acreditam que ele incrimina Barros em outros esquemas de corrupção na área da saúde. Enquanto Thomas Traumann aposta que Bolsonaro vai entregar a cabeça de Ricardo Barros aos leões, a apuração do Poder360 indica que ele deve permanecer na função de líder de governo. A decisão do governo demonstra prudência: ex-líder do governo FHC, ex-vice-líder nos governos Lula e Dilma e ex-ministro da Saúde de Temer, Barros é conhecido nos bastidores como “leitão vesgo”, pela capacidade de “mamar na teta de um governo já de olho no outro governo”.
Os militares
Desfez-se também o mito de que os militares são incorruptíveis, além da conta pela absolvição do general Pazuello vir mais cedo do que eles esperavam. Se a CPI parecia convencida a ignorar o ex-ministro da Saúde depois da blindagem de Bolsonaro e do general Paulo Sérgio, a denúncia da Covaxin recolocou Pazuello no centro das investigações, com as quebras de sigilo telefônico, telemático, fiscal e bancário do general. Além disso, o depoimento de Pazuello, antes das denúncias, já colocavam o General Braga Netto na linha decisória da compra da Covaxin e agora a CPI quer saber se o general Luis Eduardo Ramos também participou desta festa da picanha com cerveja. Enquanto não chega nos generais, a CPI vai ouvir nos próximos dias o tenente-coronel do Exército, Marcelo Blanco, ex-assessor de logística do Ministério da Saúde, e que estava no jantar onde foi pedida a propina de 1 dólar por dose. Três dias antes, o militar abriu uma empresa de consultoria para comércio de medicamentos. A Agência Pública cita ainda a participação do major Hardaleson Araújo de Oliveira da força aérea no esquema de venda de vacinas de Luiz Paulo Dominguetti. Outra prova de que os militares vão até o fim com o seu governo está em mais um agrado recebido nesta semana: o decreto que modifica o Estatuto dos Militares, autorizando que integrantes das forças armadas não tenham que passar para a reserva após dois anos em cargos civis, podendo exercer a função por tempo indeterminado. Os 6.157 militares no governo Bolsonaro agradecem.
Jair Bolsonaro
A conjunção astral não está mais a favor de Bolsonaro e ele mesmo criou condições para unir num único pedido de impeachment praticamente toda a centro-esquerda do país, e mais uma parte da direita representada por Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSDB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP). Não é pouca coisa. O fato reacendeu a ideia de uma frente ampla na oposição. Além disso, diferentemente do empresário Carlos Wizard, que optou por ficar calado na CPI, Bolsonaro segue produzindo provas contra si mesmo. Confiando que sua melhor defesa é o ataque, só nas últimas três semanas ele pode ter cometido dez crimes, que futuramente podem engordar o já amplo currículo de vinte e três crimes apresentados no novo pedido de impeachment. Apesar disso, em entrevista ao IHU, Luiz Werneck Vianna, Roberto Andrés e Rudá Ricci avaliam que Bolsonaro ainda tem base parlamentar e o impeachment não está garantido. A CPI ainda tem trabalho pela frente, pois precisa comprovar o envolvimento direto de Bolsonaro nos casos de corrupção denunciados, avalia Helena Chagas. E Esther Solano alerta que apesar de ter perdido base de apoio, seus ex-eleitores ainda desconfiam da oposição. De qualquer forma, a peça decisiva do tabuleiro político é o peso das ruas e esse também tem sido o triunfo da esquerda até agora. Afinal, foram as duas manifestações anteriores que abriram fissuras na direita, criando o clima para as denúncias de corrupção virem à tona e tirar a CPI do marasmo. Sem liderança e crente de que um impeachment contribuirá para despolarizar o cenário atual entre Bolsonaro e Lula, abrindo oportunidade para uma terceira via, parte da direita já avalia disputar os rumos das manifestações, como o PSDB paulista, que decidiu sair às ruas na manifestação convocada pela esquerda para o próximo sábado, dia 3.
Arthur Lira
Se alguém está lucrando com a crise em Brasília é, certamente, Arthur Lira. Não apenas porque o destino de todo pedido de impeachment passa necessariamente por suas mãos, mas porque a queima de Ricardo Barros, seu desafeto, interessa bastante ao presidente da Câmara. Para Vera Magalhães, Arthur Lira é hoje o homem mais poderoso da República, controlando o destino de Jair Bolsonaro e de mais de R$11 bilhões de emendas do orçamento. Para a jornalista, o cálculo de Lira é de que ainda há muita lenha a queimar antes de ele pensar em jogar Bolsonaro ao mar. E neste cálculo, o preço pode subir suficientemente para uma reforma ministerial. Para Thomas Traumann também não há possibilidade do pedido de impeachment prosperar, porque “Lira é Bolsonaro e Bolsonaro é Lira”, uma relação de simbiose, em que duas espécies se associam buscando benefícios mútuos. Ao mesmo tempo, Lira tem sua carreira solo, desde que foi convocado junto com Rodrigo Pacheco pelo mercado financeiro para viabilizar as reformas independentemente do governo. Assim, o líder do centrão pode levar adiante pautas de interesses do bolsonarismo, como a lei antiterror que pode criminalizar manifestações, mas em compensação pode deixar naufragar a bandeira do voto impresso.
Enquanto isso, na Faria Lima
Como se não bastassem as temperaturas elevadas em Brasília, a contagem regressiva para uma crise hídrica combinada com uma crise elétrica se acelera. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aumentou o valor da tarifa da bandeira vermelha 2 em 52% e discute inclusive a possibilidade de criar novas bandeiras ou aumentar a abrangência da classificação para comportar novos aumentos. E se repetirmos a experiência de 2001, o apagão e o racionamento devem frear a lenta recuperação da economia brasileira, enquanto metade dos setores industriais sequer saiu da UTI. E como a alta da energia é uma das responsáveis pela inflação acumulada de 35,75%, a tendência é apertar ainda mais o cinto entre as famílias brasileiras. Entretanto, para a surpresa dos analistas, o mercado financeiro está calmo, calmíssimo. Na Folha, Vinicius Torres Freire especula que a combinação de calmaria nas finanças internacionais, dívida pública crescendo menos, perspectiva de PIB maior, Banco Central livre para tocar o aumento de juros e capital entrando de novo no país poderiam ser as explicações para esse comportamento. Isso, além da esperança de que ainda poderia surgir uma terceira via até outubro do ano que vem. N’O Globo, Zeina Latif acredita que as eleições deixaram de preocupar o mercado, que já desistiu da dupla Bolsonaro e Paulo Guedes, avaliando que um segundo mandato seria um desastre, enquanto uma repetição do primeiro governo Lula mantendo o tripé macroeconômico poderia ser plausível.
Escrito por: Coluna: Boletim Ponto
Fonte Brasil de Fato
Postado por Gustavo Mesquita em Notícias