STF Conforme o esperado, o ministro Carlos Ayres Britto, relator de duas ações sobre união civil de homossexuais analisadas na sessão desta quarta-feira (4) no STF (Supremo Tribunal Federal), se pronunciou a favor da iniciativa, alegando que a Constituição brasileira proíbe preconceito e que os casais gays sofrem com insegurança jurídica por não compartilharem direitos dados a casais heterossexuais.
A leitura do voto durou quase duas horas. A sessão foi encerrada e deve ser retomada nesta quinta-feira, quando os demais ministros falarão sobre a questão.
"O sexo das pessoas não se presta como fator desigualação jurídica", afirmou o ministro. "A Constituição brasileira opera por um intencional silêncio [em assuntos sexuais]. Mas não é lacuna. Já é um modo de atuar. A ausência de lei não é ausência do direito, que é maior do que a lei", completou Ayres Britto, para quem "nada é mais íntimo e privado do que a prática da própria sexualidade", indicando que o Estado não deve interferir nesses temas e ceder direitos iguais a casais gays.
O relator disse ainda que a admissão da união civil de homossexuais "não se trata de uma mera sociedade de fato por interesse mercantil". "É um voluntário navegar por um rio sem margens fixas", disse ele, que vê insegurança jurídica repassada a casais gays unicamente "por visões morais". "Pertencer ao sexo masculino ou feminino é apenas um fato que se inscreve nas tramas do imponderável, do incognoscível, da química da própria natureza", afirmou.
Entre as novas garantias que podem ser dadas pelo Supremo estão pedidos de aposentadoria, pensão no caso de separação e uso de plano de saúde. Algumas decisões para estender direitos aos parceiros do mesmo sexo já foram tomadas por tribunais, mas a mais alta corte do país nunca se pronunciou sobre o assunto. Em seu voto, Ayres Britto também cogitou, sem se aprofundar, a possibilidade de adoção de crianças por casais homossexuais.
Ayres Britto leu seu voto depois de sete oradores falarem sobre o assunto: cinco a favor da união civil gay e dois contrários -o advogado da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) comparou os homossexuais a polígamos e incestuosos. Também se manifestou o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que levou uma das duas ações ao Supremo para que casais homoafetivos sejam admitidos como "entidade familiar".
"Privar os membros de uniões homossexuais afetivas [de seus direitos] atenta contra sua dignidade, expondo-os a situações de risco social injustificável", disse Gurgel. "Quando o Estado nega-se a reconhecer uniões homoafetivas, ele instrumentaliza os homossexuais, sacrificando seus direitos. Ao não reconhecer as uniões homoafetivas, o estado compromete a capacidade do homossexual de viver a plenitude de sua orientação sexual."
Entenda o julgamento
São dois pedidos analisados pelos ministros: um deles é do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), para que funcionários públicos homossexuais estendam benefícios a seus parceiros, e o outro é uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para admitir casais gays como "entidade familiar".
A decisão do Supremo terá o chamado efeito vinculante, ou seja, será aplicada em outros tribunais para casos semelhantes. Se os funcionários do governo do Rio de Janeiro conseguirem estender benefícios a seus parceiros, o mesmo acontecerá em outros Estados. Ao todo, mais de cem direitos passariam a ser dados a casais homossexuais.
Aplicação
Antes de relatar os casos, Ayres Britto pediu um levantamento nos Estados para saber se a união civil de homossexuais já era reconhecida. O ministro detectou que isso aconteceu em tribunais de dez unidades federativas: Acre, Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Essas decisões, de primeira ou segunda instâncias, podem pesar a favor do movimento gay no julgamento no STF. As decisões judiciais autorizaram não apenas as uniões civis homossexuais, mas também pleitos de pensão e herança.
Mais de 20 países de todo o mundo reconheceram a união civil de homossexuais antes do Brasil, incluindo o Uruguai. Outros, como a Argentina e várias partes dos Estados Unidos, permitem casamentos gays - uma decisão ainda mais condenada pela Igreja Católica.