A Saúde Assistência Médica Internacional, operadora de planos de saúde, acusa o Itaú Unibanco de fraude e atos ilegais em operações bancárias de débitos feitos por pessoas não autorizadas. A operadora ajuizou ação indenizatória com pedido de antecipação de tutela no valor de R$ 37,4 milhões, alegando extrema necessidade para garantir a sobrevivência da empresa no mercado. O banco apresentou contestação apontando ilegitimidade passiva, prescrição do direito e que nunca praticou nenhum ato ilícito. Na última segunda-feira (19/3), a operadora protocolou réplica para demonstrar a responsabilidade do banco pela fraude, citando a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, que diz que as instituições financeiras "respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
Segundo a inicial da operadora, representada pelo advogado Fernando Bianchi, a relação com o banco começou em 1999, quando foram abertas várias contas-correntes no Unibanco — hoje Itaú Unibanco —, que tiveram movimento intenso até 2007 em pagamentos a prestadores de serviços e nos recebimentos de mensalidades pagas pelos clientes de planos de saúde.
Pelo fato de a empresa exercer um papel fundamental na prestação de assistência medica à população e por estar sujeita às Leis 9.656/1998 e 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) começou a intervir, não só no âmbito fiscalizador, mas também legislador da empresa que, segundo a inicial, apresentava suspeitas de problemas financeiros.
Bianchi conta que, após visita técnica da ANS, em 2008, foram descobertos grandes desvios por meio do sistema bancário da empresa. Como consequência, foi interposto um processo criminal contra o gestor da operada à época da fraude. Além disso, foram solicitados ao Unibanco extratos, microfilmagens de cheques, cartas de autorização de débito e borderôs autorizadores de operações bancárias, entre outros documentos.
De acordo com a inicial, o Unibanco forneceu alguns documentos, entre eles cheques microfilmados, em que “foi verificado que houve permissão de compensação de cheques assinados por pessoas não autorizadas pela empresa”. Após essa constatação, foi pedido novamente ao banco para que todos os documentos da movimentação bancária entre a empresa e o banco fossem disponibilizados. Porém, segundo Bianchi, “o banco se negou a fornecer qualquer outro documento”.
O advogado alegou que “a empresa emitia um cheque para pagar um imposto e era levado ao banco para recolhimento da guia. O cheque era devolvido por insuficiência de fundos. No mesmo dia, o cheque era reapresentado na boca do caixa e o caixa liberava o dinheiro e o dinheiro não era pago. Esse dinheiro era liberado para um terceiro desconhecido da empresa.” De acordo com Bianchi, esse ato foi apontado por perícia extrajudicial.
Após a negativa do banco em entregar os documentos, foi proposta uma Ação Cautelar de exibição de documentos contra ele que, “por força do contrato bancário, do Código de Defesa do Consumidor e dos protocolos de legislação interna do Banco Central, tem obrigação de guardar os documentos e fornecer quando for solicitado”, diz a inicial.
Segundo o advogado da empresa, o objetivo da ação foi apurar o tamanho do desvio e aparelhar a ação principal — o que, segundo ele, só seria possível fazer com todos os documentos em mãos. Procurado, o Itaú Unibanco não respondeu às perguntas feitas pela ConJur.
Resultados na Justiça
A ação teve duas decisões judiciais determinando a apresentação dos documentos — primeiro liminarmente, depois por sentença de mérito — confirmada, posteriormente, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em grau de Apelação. “Porém o banco não apresentou os documentos”, afirmou Bianchi. “O Unibanco pediu então mais de vinte vezes prazos que variavam de 30 a 60 dias para apresentação de documentos. Todos foram deferidos pelo juiz. Mas o banco não cumpriu nenhum dos pedidos e continuou sem apresentar os documentos.” O processo já dura mais de dois anos.
Com base no artigo 359 do Código de Processo Civil, foi determinado que a empresa apresentasse os números do desvio. O dispositivo diz que o juiz tomará por verdadeiros os fatos não contestados em até cinco dias a partir da intimação. “Foi feita uma perícia extrajudicial em cima da contabilidade da empresa que chegou ao montante de R$ 64 milhões. Desse número foram tiradas contas ordinárias como folha de pagamento e contas de água e luz, entre outras. O saldo caiu para R$ 37,4 milhões. Tal valor foi apresentado em juízo como sendo o valor dos desvios do Unibanco”, afirma Bianchi.
Além do processo cautelar, os advogados da Saúde Assistência Médica Internacional entraram com uma ação principal e pediram que fossem devolvidos os R$ 37,4 milhões a título de danos materiais, e isso em antecipação de tutela, devido à situação de emergência da empresa, que precisava cumprir suas obrigações e mostrar à ANS que tinha condições de continuar no mercado. Além disso, foi solicitada também a apuração, via perícia, dos danos indiretos, como lucros cessantes.
Na primeira instância, o pedido de antecipação de tutela foi indeferido. No Tribunal de Justiça de São Paulo, o recurso teve efeito suspensivo negado, mas o restante ainda não foi apreciado.
Culpa do cliente
O banco contestou a decisão de primeira instância, reconhecendo que houve fraude. Porém, alegou que o responsável pelas irregularidades foi um antigo consultor da empresa e que, portanto, não poderia ser responsabilizado pelo ato. “Ao invés de responsabilizar os indivíduos que lhe causaram o real prejuízo, prefere se arriscar numa aventura jurídica pretendendo que o banco a indenize por todos os males que lhe foram causados em quase dez anos”, disse a instituição financeira em contestação.
O Itaú Unibanco alegou ainda ter fornecido os extratos mensais da conta-corrente que demonstravam todos os débitos impugnados. E que, assim, é “inadmissível” que uma empresa que recebia todas as informações não tenha observado que havia o suposto desvio de valores.
“A autora iniciou, em janeiro de 2010, uma auditoria em que foram constatadas inúmeras irregularidades nas operações bancárias. Ou seja, apenas em 2010 a autora começou a tomar providências acerca de uma fraude que perdurou por cerca de oito anos”, disse a instituição.
A prescrição também foi alegada pelo Itaú Unibanco. Isso porque, segundo a contestação, os fatos que geraram a demanda ocorreram há mais de três anos. “Os fatos ocorreram entre os anos de 2000 e 2008, sendo que apenas em 2010 foi proposta a ação de exibição de documentos.”
Responsabilidade objetiva
A Saúde Assistência Médica Internacional apresentou réplica lançando mão da Súmula 479 do STJ, que diz que a responsabilidade do banco é objetiva, independentemente de culpa, por fraudes praticadas por seus prepostos ou terceiros. “O STJ firmou posição de que o banco é responsável pelo dinheiro dos correntistas. Se a fraude for feita pelo gerente ou pelo representante do cliente, o banco tem responsabilidade objetiva pela fraude”, diz o advogado Fernando Bianchi.
Em relação à entrega dos demonstrativos pelo banco, o advogado da operadora de planos de saúde afirma que os extratos apresentam somente o lançamento de débitos e créditos, mas não informam quem assinou o cheque ou quem autorizou a saída de dinheiro. “Com a movimentação intensa de débito e crédito da empresa, foi presumida a boa-fé, e que estariam corretos os vários lançamentos.”
“Se eu afirmo sem dúvida que houve a participação de alguém da empresa na fraude, tenho que admitir que ela jamais poderia ter se concretizado se não por meio de conluio e autorização do banco”, argumenta Bianchi.
O Itaú Unibanco disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta processos judiciais em andamento. Informou que há duas ações em curso, uma em fase passível de recurso e outra em estágio inicial. O banco disse ainda que apresentará suas argumentações em juízo.
As partes aguardam agora a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em relação ao pedido de antecipação de tutela.