Medida Provisória
MP 881: uma reforma trabalhista disfarçada
A Medida Provisória 881/2019, do governo Bolsonaro, inicialmente teria o objetivo de desburocratizar regras para incentivar o empreendedorismo. Mas na comissão mista em que foi analisada, a chamada MP da Liberdade Econômica recebeu mais de 300 emendas de deputados e senadores e se tornou o que juízes do Trabalho, economistas e sindicalistas chamam de uma nova reforma trabalhista. Os 19 artigos iniciais se tornaram mais de 50, como observa o jornalista Leonardo Sakamoto, que reforça o coro e chama a 881 de reforma trabalhista que tramita disfarçada no Congresso.
Com tantas mudanças no texto original, a medida provisória virou projeto de lei de conversão, o PLC 17/2019. Em seu blog, Sakamoto publicou quadro comparativo entre o texto original do Executivo e o atual (PLC 17/2019), aprovado na quinta-feira 11, na comissão mista. Agora a matéria segue para votação no plenário da Câmara e no do Senado, e deve ser apreciada antes de 10 de setembro, quando perderá sua validade, caso não seja aprovada.
Bancários sem descanso aos finais de semana
O jornalista observa que o PLC propõe dezenas de alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Uma delas é a que autoriza o trabalho aos domingos e feriados, sem permissão prévia. A Constituição prevê o descanso semanal preferencialmente aos domingos, se a proposta for aprovada pelo Congresso, os empregadores poderão determinar que o empregado trabalhe aos domingos, com pagamento de horas extras ou com folga compensatória.
Outra, que prejudica principalmente a categoria bancária, revoga a lei 4.178/62, que impede instituições financeiras de abrirem ao público aos sábados e domingos.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) já se posicionou contra a medida, alertando que ela é inconstitucional. Sakamoto entrevista a presidenta da Anamatra, Noemia Porto, que alerta para o retrocesso que isso pode causar e diz que, ao invés de exaurir os empregados, as empresas deveriam contratar mais.
"Todos os dados estatísticos mostram que o excesso de disponibilidade para o trabalho é um risco laboral e está relacionado a doenças ocupacionais e acidentes, dos quais o Brasil é um dos campeões mundiais", diz Noemia Porto ao Blog do Sakamoto.
Vote contra o projeto
O movimento sindical é contra o projeto e está alerta à sua tramitação. Os bancários precisam pressionar os parlamentares contra a medida (veja e-mails dos deputados; veja os dos senadores aqui), e também votar contra a MP 881 na consulta pública no site do Senado (vote aqui).
Reedição do hipersuficiente
Outra proposta anexada à MP 881 prevê que contratos de trabalho para empregados que ganham acima de 30 salários mínimos mensais “serão regidos pelo Direito Civil, ressalvadas as garantias do artigo 7º da Constituição Federal – que inclui direitos como férias e 13º salário, mas exclui muitas das proteções à saúde e segurança previstas na CLT” e até mesmo as previstas em acordo coletivo da categoria.
Trata-se de uma reedição do trabalhador hipersuficiente, previsto na reforma trabalhista aprovada no governo Temer.
Ouvido pelo jornalista, o professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado trabalhista, Ivandick Rodrigues, disse que a medida como inconstitucional, por discriminar trabalhadores. "Tanto faz o valor de remuneração ou o tipo de trabalho exercido, sendo um trabalhador empregado, com vínculo celetista, ele terá os mesmos direitos que outro trabalhador celetista."
E Sakamoto alerta: “A mudança tem sido vista como a porta de entrada para a ‘carteira verde e amarela’, proposta pelo ministro da Economia Paulo Guedes, em que a ‘negociação’ individual estaria acima da CLT. Jovens ingressantes no mercado de trabalho podem ser o próximo alvo para esse tipo de contrato. Vale lembrar as palavras de Jair Bolsonaro, durante sabatina com empresários, em julho do ano passado: ‘o trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego’.”
Acidentes de trabalho
O projeto também torna facultativa a existência de Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) em locais com menos de 20 trabalhadores, e também em pequenas e microempresas. Sakamoto lembra que o Brasil é um dos campeões mundiais de acidentes de trabalho, e destaca: “Uma das principais razões para a medida é que os empregados que fazem parte dela (da Cipa) têm estabilidade no emprego.”
Mais retrocesso
A proposta ainda prejudica o descanso de trabalhadores rurais, ao prever que, “havendo necessidade imperiosa” na atividade do agronegócio, que é sujeita a condições climáticas, “o trabalho poderá ser exercido em sábados, domingos e feriados, prevendo remuneração ou compensação.” Dessa forma, ressalta o jornalista, “o trabalhador pode ficar quase duas semanas sem descanso em uma atividade naturalmente mais penosa.”
Há ainda o afrouxamento da fiscalização trabalhista, que pode acarretar em mais acidentes de trabalho e adoecimentos: hoje, para casos não considerados graves, os auditores fiscais são orientados a não multarem em uma primeira visita, apenas na segunda, se o problema se mantiver. O projeto amplia o leque de casos que demandam uma segunda visita. “A dupla visita pode se transformar na regra e não na exceção, como é hoje, levando parte dos empresários a aguardar a fiscalização para fazer o que já deveriam ter feito”, diz o artigo.
A MP 881 fala de modernidade, mas o que ela faz na realidade é tentar arrebentar com o arcabouço de respeito a direitos dos trabalhadores. Você pode constituir um negócio e não ter fiscalização dos órgãos públicos, não seguir o regramento do descanso semanal, não gerar empregos de qualidade.
O projeto também pode significar perdas para os empresários que cumprem a legislação trabalhista, que seriam vítimas de uma concorrência predatória com empregadores que, amparados pela nova lei, não gastariam recursos com segurança e nem se preocupariam com a qualidade de vida de seus funcionários. Isso vai gerar mais desregulamentação do trabalho, diminuir a participação da renda dos trabalhadores no PIB nacional e é um ataque à organização sindical, por abrir a possibilidade de contratos regidos pelo Direitos Civil e não pela CLT.
Próximos passos
O artigo lembra que a atuação da oposição retirou pontos ainda mais prejudiciais do relatório do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), como o “regime de contratação anticrise”, que suspenderia leis (como o artigo 224 da CLT que garante a jornada de seis horas e o não trabalho aos sábados dos bancários), acordos e convenções que tratam de jornada de trabalho e duração de contrato, enquanto o nível de desemprego no Brasil não fosse reduzido para 5 milhões em 12 meses consecutivos (hoje está em 12,9 milhões e desde supera os 11 milhôes desde o primeiro trimestre de 2016). O ponto, segundo Sakamoto, caiu com a negociação conduzida pela oposição.
O movimento sindical está se articulando contra o projeto e pretende mobilizar a sociedade para tentar evitar o que é considerado perda de proteção dos trabalhadores.
Fonte Seeb SP e blog do Sakamoto
Postado por Fernando Diegues em Notícias